Centro de Referência e Treinamento DST/AIDS-SP

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PROGRAMA ESTADUAL DE DST/AIDS DE SÃO PAULO FAZ 33 ANOS E SEU FUNDADOR, PAULO TEIXEIRA, RELEMBRA A SUA HISTÓRIA

Criado por um grupo de técnicos da área da saúde liderado pelo médico Paulo Roberto Teixeira, o serviço, fundado em 1983, é pioneiro nas ações de combate à aids no Brasil e o primeiro a oferecer atendimento especializado às vítimas da doença.


O Programa Estadual de DST/Aids de São Paulo, berço das políticas de aids no Brasil, chega aos 33 anos nesta terça-feira (6). Criado por um grupo de técnicos da área da saúde liderado pelo médico Paulo Roberto Teixeira (foto), o serviço, fundado em 1983, é pioneiro nas ações de combate à aids no Brasil e o primeiro a oferecer atendimento especializado às vítimas da doença.
 

Para o dr. Paulo Teixeira, hoje consultor sênior do Programa, nestes 33 anos de história três momentos são especialmente emocionantes: a precocidade da intervenção e a adoção de eixos éticos e políticos de defesa dos direitos para o enfrentamento da aids; a mobilização social que tem como grande característica a solidariedade; e o momento em que foi possível melhorar a qualidade de vida e a sobrevida das pessoas com HIV. 
 

¿Esse último momento é muito especial, pois começamos a falar de viver com HIV e as pessoas infectadas realmente passaram a viver com o vírus.  Hoje, estamos lidando  com o envelhecimento delas.¿


Os primeiros passos


Dr. Paulo, que também escreveu sobre o Programa Estadual de São Paulo no livro ¿Histórias da Aids no Brasil¿, junto com a socióloga Lindinalva Laurindo Teodorescu, se entusiasma ao relembrar os acontecimentos desses 33 anos. No primeiro semestre de 1983, ele conta, foram confirmados os primeiros casos de aids do país. Nos Estados Unidos e na Europa Ocidental, já havia casos notificados. Isso provocou uma grande preocupação, principalmente entre os homossexuais, pois, nesta época, a doença afetava, quase que exclusivamente, essa população. 


¿Um grupo de ativistas do movimento LGBT de São Paulo procurou a Secretaria Estadual de Saúde, apresentou o problema e a pasta  reconheceu que se tratava de uma questão importante, embora, até aquele momento, se soubesse apenas de quatro casos no Brasil¿, relembra Teixeira.


Esse grupo era formado por ex-militantes do Somos, considerado o primeiro movimento de defesa dos direitos LGBTs do país. Segundo o médico, o grupo havia se dissolvido pouco tempo antes, mas, como seus ex-integrantes tinham grande militância social e conhecimento dos direitos da minoria homossexual, eles se juntaram para entrar na luta. 


¿A Secretaria entendeu que estávamos vivendo o que se chama tecnicamente de um agravo inusitado à saúde. Mesmo tendo apenas quatro registros no Brasil, havia mais casos no exterior e a doença poderia se expandir para o país e, particularmente, para São Paulo. Também que era necessário oferecer apoio à comunidade que estava sendo afetada, tanto em termos de informação como de assistência, quando fosse necessário. Era preciso ainda oferecer proteção dos seus direitos, pois no exterior a doença já estava estigmatizando os homossexuais.¿ 


Nesse período,  dr. Paulo Teixeira havia acabado de assumir a direção da Divisão de Hansenologia e Dermatologia Sanitária da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. A Divisão trabalhava historicamente com hanseníase, combatendo o estigma relacionado a essa doença.


Por meio de uma sugestão da médica Miriam Vontobel, na época coordenadora do Sistema de Vigilância Epidemiológica do Estado, dr. Paulo Teixeira concordou que o Serviço de Doenças Sexualmente Transmissíveis, então recém-criado, poderia se encarregar de coordenar as atividades relacionadas à aids.


O Programa de Aids do Estado de São Paulo começou suas atividades em caráter experimental no mês de agosto, mas seu lançamento público foi feito no dia 6 de setembro de 1983, numa coletiva de imprensa.
 

¿Além da vigilância epidemiológica com a notificação dos casos; informação daquilo que era possível, pois ainda se desconhecia muito a respeito da doença; atendimento ambulatorial, laboratorial e hospitalar, também foi inaugurado um Disque Aids¿, disse o médico.


Para Paulo Teixeira é importante lembrar que o primeiro Programa de Aids do país nasceu e foi instituído durante um processo de redemocratização do Brasil. ¿Nesse momento, havia sido eleito o primeiro governador de São Paulo por eleições diretas, o Franco Montoro. E o movimento sanitarista, que vinha desde a década de 1960, lutava pelo direito de acesso universal à saúde estava bastante ativo.¿ 


Quando 1983 chegou ao fim, havia muitos casos suspeitos da doença, mas eram oito o número de confirmados no estado de São Paulo. Daí em diante a epidemia foi crescendo. Outros estados começaram também a notificar casos. O Programa passou a dar suporte aos municípios e apoio na estruturação dos serviços em outros estados e regiões. 


¿Nós tivemos uma participação importante no apoio da estruturação de serviços em outros estados. Principalmente, porque o Ministério da Saúde ainda não reconhecia a aids como um problema de saúde pública¿, continua o dr. Paulo Teixeira.


As primeiras providências do Ministério da Saúde em relação a aids só aconteceram em 1985. ¿Isso se deu por conta de uma pressão que estados, comunidade e imprensa começaram a exercer sobre o Estado¿, contou.  Nesse período, São Paulo atuou como uma espécie de referência nacional, atendendo e apoiando outros estados e regiões.¿ 


O conhecimento sobre a aids foi aumentando gradativamente. Porém, cada vez mais, surgiam novos casos e pessoas morriam. Dr. Paulo Teixeira considera que uma grande frustração daquela época era a falta de  recursos eficazes para controlar todas as manifestações da doença e prolongar a vida das pessoas atingidas. 


Primeiros avanços


¿Havia uma ansiedade e uma expectativa positivas para os tratamentos, à medida que, pelo fato de ter atingido duramente a Europa Ocidental e a América do Norte, Canadá e Estados Unidos, o trabalho de buscar conhecimentos, esclarecimentos e adoção de novas condutas era muito intenso.¿ 


Em 1984, foi possível contar com os primeiros testes experimentais, o que ajudava a avaliar casos positivos e negativos. A partir de 1987, começaram a chegar os primeiros medicamentos para tratar a doença --  o primeiro foi o AZT.  A partir de 1996, foram descobertas combinações mais efetivas que resultaram em esquemas mais eficazes de controle da doença. 


¿Embora possamos contar com tratamentos eficazes, ainda hoje estamos muito longe de uma situação de tranquilidade em relação à doença. Porém, temos de considerar que tudo andou rápido, ainda que em termos relativos, pois para as pessoas em sofrimento foi muito tempo. Mas a verdade é que as descobertas aconteceram rapidamente e isso porque a epidemia atingiu os países ricos. A malária, a tuberculose e a sífilis, por exemplo, estão aí há séculos e nunca receberam o mesmo grau de investimento e atenção, exatamente porque são doenças do terceiro mundo.¿


Segundo o especialista, por meio da pressão social e dos estados, o Brasil se mobilizou muito cedo e desde o início era considerando o acesso universal à saúde. Isso fez com que o país acompanhasse os progressos que ocorreram nos países ricos. ¿Porém, os países mais pobres e em desenvolvimento levaram décadas para receber atenção da comunidade internacional e ter algum tipo de apoio¿, afirmou o médico.
 

Na foto, um dos primeiros cartazes produzido pelo Programa Estadual de DST/Aids de São Paulo.


Ambulatório trans


Segundo o dr. Paulo Teixeira, o Programa de Aids também foi o primeiro canal de comunicação das travestis e transexuais com o Estado. Dentro do CRT (Centro de Referência e Treinamento DST/Aids), que faz parte da  Coordenação do Programa, nasceu, há nove anos, o primeiro serviço de assistência a população trans.


¿A população trans é vulnerável à infecção pelo HIV e outras DSTs, mas a iniciativa foi organizada como um serviço de atenção integral, em que o HIV é umas das preocupações, mas não é tudo. O ambulatório especializado foi montado em um serviço de aids por decisão das trans, porque o CRT é um dos poucos lugares onde elas se sentem bem acolhidas.¿ 


Política atual


O dr. Paulo Teixeira reconhece que ainda há muito o que  fazer em diferentes áreas e avanços para conquistar. Para ele, a assistência e a prevenção estão se apresentando como o maior desafio do Programa e do país. ¿Por exemplo, na rede assistencial nós temos de reforçar o diagnóstico precoce, o início precoce do tratamento, o reforço da rede de atenção integral à pessoa com HIV, as ações de adesão, trabalhar para que não haja abandono ou suspensão do tratamento. Temos de melhorar na área de capacitação e fazer pesquisas constantes. E melhorar a prevenção dos grupos mais vulneráveis.¿ 


A atual situação política no Brasil, na opinião do médico, é extremamente preocupante. Segundo ele, até dois meses atrás, antes de Michel Temer assumir o governo como interino, por mais problemas que o país e as atividades relacionadas ao controle da aids apresentassem, nunca houve desvio dos eixos principais de enfrentamento. 


¿Mesmo com problemas sérios, falhas e questões não resolvidas, os valores, as políticas e referências nacionais em relação aos direitos sempre foram sólidos. Agora, o cenário é sombrio e ffundamentalista. Embora a epidemia esteja contida na população em geral, o maior problema hoje são os grupos mais vulneráveis, como jovens gays, profissionais do sexo, moradores de rua e usuários de drogas. Sem dúvida, faltam ações do Estado sobre esses aspectos. No entanto, a solução não depende somente do Estado, pois falamos de questões de caráter social, comportamental e afetiva nas quais o Estado também não tem o direito de intervir. Mas sei que o que estamos fazendo não é suficiente.¿


Uma preocupação especial


Ainda entre os diversos desafios para o controle da epidemia, a transmissão vertical, para o médico, merece uma preocupação especial. Mesmo sendo absolutamente possível evitar a infecção de mãe para filho, no Brasil, nos últimos dez anos, ainda nascem 700 bebês por ano com HIV. Desde o início da epidemia foram 92 mil casos de transmissão.


¿A minha opinião é de que cada caso de transmissão vertical seja investigado. Se detectada a falha institucional, o que acontece em 98% dos casos, eu acho que a mãe tem de processar o Estado, pedir indenização e a criança receber uma pensão vitalícia.¿ 


Com os recursos existentes hoje, como fazer testes de HIV durante o pré-natal, entre outras diretrizes nacionais, o risco de transmissão vertical passou a ser menor que 2%. Em São Paulo, esse número é 2%. A média nacional é de 8,5%, mas há regiões em que chega a 15%. 


¿Há 15 anos eu não faria essa proposta de processar o Estado, porque ainda estávamos aprendendo sobre essa via de transmissão. Mas hoje, passados todos esses anos, em que foram feitas normas, protocolos e capacitações, comprados medicamentos, reagentes e está tudo lá, é hora de radicalizar. Foi assim que resolvemos a transmissão via transfusão de sangue. Não tem mais infecção por essa via, porque, a cada transmissão, há uma punição funcional, financeira e judicial pesada.¿ 


Situação ideal


Para o dr. Paulo Teixeira, não é simples dizer se haverá ou há intervenções que possam resolver o problema da epidemia. ¿Os problemas enfrentados no Brasil, como o recrudescimento a grupos mais vulneráveis com potencial de ampliação, ocorrem também na Europa Ocidental, Estados Unidos e Canadá. É preciso, em relação aos jovens, independentemente de sua orientação sexual, retomar todas essas discussões a respeito de sexo, gênero, concepção, camisinha, acesso a tratamento profilático. Se  não for feito isso, não vamos resolver o problema da epidemia.¿


Dados de São Paulo


Na foto, da esq. para a direta: Artur Kalichman, diretor adjunto do Programa, Maria Clara, diretora e Rosa alencar, adjunta.

Do início da epidemia até junho de 2014, segundo o Boletim Epidemiológico da Secretaria de Estado da Saúde, foram notificados 236.434 mil casos de aids no estado. Destes, 122 mil foram a óbitos. Nos últimos dez anos, a taxa de incidência em São Paulo teve uma redução de 32,6%. Atualmente, 114.434 mil pessoas vivem com HIV. Até o momento, 95 mil estão em terapia antirretroviral no estado. 
 

Hoje, a Rede de Serviços vinculados ao Programa conta com 200 Unidades Ambulatoriais de HIV/aids, 130 Centros de Testagem e Aconselhamento (CTA) em 95 municípios, 31 Hospitais-Dia, 26 de Assistência Domiciliar Terapêutica, 580 Leitos HIV/aids, e pelo menos 1 Serviço de DST nos 645 municípios do estado. 


O CRT-SP oferece Ambulatório de HIV, Ambulatório de Hepatites, Hospital-Dia/Pediatria, Internação, Centro de Testagem e Aconselhamento, Ambulatório de Saúde Integral para Travestis e Transexuais, Unidade de Pesquisa, Núcleo de DST, Dispensação de Medicamentos, Laboratório, Área de Prevenção, Vigilância Epidemiológica, Administração e Planejamento. 


Desde sua fundação, 8 de março de 1988, o CRT já atendeu 107 mil pacientes. Atualmente, são cerca de 12 mil, incluindo os matriculados nos ambulatório HIV, hepatites, saúde integral para travestis e transexuais, CTA e Núcleo de DST.


Anualmente, são realizadas cerca de 530 mil procedimentos por ano. São 45 pólos de distribuição de medicamentos para aids; 165 unidades dispensadoras de medicamentos; 28 Hospitais-Dia; 130 Centros de Testagem e Aconselhamento; 580 leitos públicos e privados (filantrópicos); 17  casas  de  apoio  a  adultos com HIV, distribuídas em 20 municípios  com recursos federais; 200 serviços de assistência especializada (ambulatórios). Distribuição gratuita de 22 medicamentos antiretrovirais, totalizando 39 itens, incluindo formulações pediátricas, enviados pelo Programa Nacional DST/Aids.


Mais sobre Paulo Teixeira


Na foto, Paulo Teixeira com a socióloga Lindinalva Laurindo Teodorescu


Médico com especialização em dermatologia e saúde pública. Criou e coordenou o Programa para o controle da Aids, de 1983 a 1987, 1990 a 1991, e 1995 a 1996.


Desenvolveu trabalhos de consultoria para a Organização Panamericana de Saúde (OPS), em 1994, e atuou como consultor técnico do Programa de Aids das Nações Unidas (Unaids) na América Central e no Cone Sul, de 1996 a 1999. 


Ocupou a coordenação do Programa Nacional de DST/Aids do Ministério da Saúde, de 2000 a 2003. Representante da América Latina e do Caribe, entre 2001 e 2003, participou da criação e do Conselho de Administração do Fundo Global de Tuberculose, Aids e Malária. Foi diretor do Departamento de HIV/Aids da Organização Mundial da Saúde, em Genebra, em 2003 e 2004.


Com a socióloga Lindinalva Laurindo Teodorescu, publicou dois livros volumes do livro "Histórias da Aids no Brasil", com base no relato de seus protagonistas ao longo dos anos 1983-2003. 


*Fotos cedidas pelo CRT-SP

 

Serviço

Centro de Referência e Treinamento DST/Aids-SP
Rua Santa Cruz, 81, Vila Mariana, São Paulo

Disque Aids

Tel.: 0800 16 25 50

 

Dica de entrevista

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Assessoria de Imprensa - Emi Shimma
Tel.: (11) 5087 9907 

 

Daiane Bomfim (daiane@agenciaaids.com.br)

 

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