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24/07/2025 - Pesquisa alerta para bactérias perigosas que usam a vitamina C para se proteger do sistema imune

 


 

| Agência de Notícias do Governo do Estado de São Paulo
 

Resultados abrem caminho para o desenvolvimento de novos tratamentos para infecções resistentes

   

Pesquisadores na Fapesp

 

Pesquisa revela como a vitamina C atua em conjunto com proteínas antioxidantes em bactérias

Pesquisa desvendou um possível mecanismo da letalidade da bactéria Pseudomonas aeruginosa. No Instituto de Biociências (IB) da USP, cientistas descreveram como essa bactéria utiliza vitamina C e uma proteína antioxidante para se proteger do sistema imunológico do hospedeiro. O trabalho não visa a interferir nas recomendações de consumo da vitamina C, ele ajuda a explicar processos bioquímicos do microrganismo – conhecimento que, no futuro, pode ser útil para o desenvolvimento de medicamentos que contornem a resistência da bactéria.
 

Doutor pelo IB, Rogério Aleixo Silva é o primeiro autor do estudo. Segundo o pesquisador, a estratégia adotada visava a entender como uma proteína catalisadora, uma enzima da P. aeruginosa estava relacionada à sua virulência – aos riscos e perigos bacterianos. “Conseguimos mostrar pela primeira vez que a vitamina C consegue entrar na bactéria e atuar junto a uma de suas enzimas para protegê-la.” 
 

“A vitamina C sustenta a ação de uma enzima antioxidante (chamada LsfA), protegendo essa bactéria do estresse oxidativo imposto por células de defesa imunológica dos humanos” afirma Luís Netto, pesquisador do Centro de Processos Redox em Biomedicina (Cepid Redoxoma), referindo-se ao desequilíbrio provocado pelo excesso de moléculas reativas na bactéria.
 

Orientador de Silva, ele explicou que a bactéria é um patógeno oportunista. Embora ela não seja um problema para um sistema imunológico saudável, explora eventuais fraquezas para se estabelecer como infecção. Algumas linhagens de P. aeruginosa são resistentes a múltiplos antibióticos, sendo um dos principais responsáveis por infecções hospitalares. 
 

Professor do Departamento de Genética e Biologia Evolutiva, Netto explica que a descrição do processo de defesa bacteriano pode abrir novas frentes na busca por tratamentos mais eficazes. Os resultados, detalhados em artigo publicado na revista Redox Biology, mostram as estruturas moleculares da enzima antioxidante que permitem à bactéria uma defesa mais duradoura. “Achamos um possível novo alvo para o desenvolvimento de tratamentos alternativos,” adiciona Silva.

 

Operárias do corpo
 

As proteínas são moléculas essenciais para a vida, formadas por 20 tipos diferentes de aminoácidos, seus “tijolos”. A cisteína, um desses componentes, é o elemento central dessas proteínas antioxidantes. 
 

Devido à sua estrutura tridimensional, um átomo de enxofre exibe alta reatividade frente a peróxidos, compostos químicos com potencial de gerar radicais livres. Portanto, no corpo humano, essas reações são cruciais para combater o estresse oxidativo, o desequilíbrio provocado pelo excesso de moléculas reativas, como os peróxidos.
 

“Essas substâncias podem danificar componentes importantes da célula, como o DNA, e promover lesões e doenças,” explica Netto. O professor destaca que, contra a ação oxidativa, as proteínas antioxidantes entram em jogo, desativando os peróxidos e protegendo os componentes celulares contra a oxidação. 
 

Entre as diversas proteínas antioxidantes, um grupo em particular chamou a atenção dos pesquisadores: uma peroxirredoxina do tipo 1-Cys, com apenas uma molécula de cisteína. 

 

Frente de batalha
 

A oxidação também é uma estratégia do hospedeiro para combater patógenos. Contra bactérias, o corpo humano dispõe de um arsenal de células, como macrófagos e neutrófilos, produtoras de peróxidos para refrear a infecção.
 

Resultados anteriores do mesmo grupo de pesquisa já haviam mostrado que a vitamina C pode reduzir – que, em química, é o processo contrário da oxidação – a cisteína da proteína LsfA, sustentando seu potencial antioxidante. Nessa lógica, a vitamina C atua como um redutor que permite que essa peroxirredoxinas bacteriana continue a desativar os peróxidos por mais tempo. Isso significa que a vitamina C poderia aumentar a proteção contra o estresse oxidativo da proteína LsfA.
 

“A cisteína da LsfA faz com que a bactéria tenha a capacidade de reduzir os oxidantes gerados pelo hospedeiro, e a vitamina C potencializa esse efeito,” afirma Netto. O artigo demonstra como a proteína de defesa da P. aeruginosa, chamada LsfA, se beneficia da vitamina C na atuação como enzima antioxidante. A proteína já estava associada à resiliência contra a oxidação, mas a dinâmica potencializa sua virulência.
 

Uma vez que a Pseudomonas aeruginosa não produz vitamina C, os pesquisadores acreditam que a bactéria possa sequestrá-la do hospedeiro. Nesse sentido, a obtenção da vitamina C fortalece a defesa bacteriana ao mesmo tempo que enfraquece o sistema imunológico do indivíduo infectado.

 

Técnica brilhante
 

Os cientistas utilizaram uma técnica inovadora: uma sonda fluorescente chamada Hyper 7. Essa ferramenta é uma adaptação genética de organismos bioluminescentes. Quando introduzida nas bactérias, é capaz de detectar a quantidade de peróxido de hidrogênio presente na célula, emitindo luz em resposta.
 

Ao comparar bactérias normais com as que não possuíam o gene da peroxirredoxina, Silva conta que a presença da vitamina C ajudava as que possuíam a proteína antioxidante a se recuperar mais rapidamente do estresse oxidativo. “O uso da sonda mostrou que a LsfA protege a bactéria contra o oxidante. A adição da vitamina C mostrou, ainda, que a redução promovida pela proteína e a restauração da célula eram aceleradas. Na ausência dessa peroxiredoxina, a vitamina C não ajuda contra a oxidação,” explicou.
 

A técnica provou, pela primeira vez, que a vitamina C não só consegue entrar na bactéria, mas também atua em conjunto com a LsfA para protegê-la do estresse oxidativo. 

 

Novas possibilidades científicas
 

Os resultados da pesquisa abrem um leque de possibilidades para o desenvolvimento de novos tratamentos. 
 

O detalhamento da estrutura tridimensional da peroxirredoxina dessa bactéria, obtido durante a pesquisa, pode ser um trampolim para o desenvolvimento de inibidores. Medicamentos que atuariam com a inibição do funcionamento da peroxirredoxina – e, consequentemente, a capacidade da bactéria de se defender do estresse oxidativo com a ajuda da vitamina C – podem tornar a bactéria mais vulnerável aos ataques do nosso sistema imunológico e aos antibióticos já existentes.
 

Essa busca é um processo longo e complexo, que envolve a triagem de milhares de moléculas e a colaboração de diversos especialistas, mas a perspectiva é animadora. A resistência a múltiplos antibióticos é uma preocupação crescente na saúde pública. Segundo os especialistas, encontrar novos alvos para o desenvolvimento de medicamentos é fundamental.
 

Sobre possíveis relações dos resultados com mudanças no consumo da vitamina, os pesquisadores negam, e são enfáticos na necessidade de suporte científico para tomada de decisões na saúde. “Grande parte dos estudos apontam os benefícios de consumir alimentos ricos em vitaminas – isso é embasado. O problema é quando alguém tenta simplificar uma coisa supercomplexa [como este estudo] em cima de uma porçãozinha de verdade. No fim das contas, acabam fazendo uma confusão e divulgando ou consumindo coisa errada,” conclui Silva.

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