CONFLITO DE REGIMES JURÍDICOS ¿ ESTADO DE SÃO PAULO
A formação do quadro funcional na administração direta das instituições públicas seria, de acordo com as determinações constitucionais, constituídas de cargos públicos, cujo regramento de gestão está devidamente estatuído no Estatuto dos Funcionários Públicos.
Mas, como sabemos, nosso quadro funcional conta com uma mistura de servidores titulares de cargos efetivos, servidores admitidos em caráter temporário, servidores celetistas... e cada uma dessas categorias regidas por disciplina própria na relação dos direitos. Sim, pois em relação aos deveres e obrigações, somos todos iguais.
Para o gestor é complicado. Como explicar para um profissional que o colega tem determinados direitos que ele não tem. ¿Ah, mas ele é efetivo, você é temporário... ou celetista...¿.
Vamos entender esta alquimia?
A Constituição da República Federativa sempre considerou as situações atípicas, as chamadas emergenciais, ela trazia, e ainda hoje traz dispositivo que autoriza, mesmo na administração direta, a contratação de pessoal em caráter temporário.
Seria uma mão de obra que viria preencher funções correspondentes aos cargos existentes, de modo a atender uma necessidade momentânea. A ideia era não onerar os cofres públicos.
A título de esclarecimento, o cargo público constitui em um patrimônio da administração, e a sua criação é onerosa, ao passo que a função pode ser extinta assim que cesse a necessidade emergencial que a ensejou.
Voltando um pouco no tempo, digamos, aproximadamente aos anos 60, início dos anos 70, existia no âmbito da Secretaria da Saúde a contratação de pessoal a ¿título precário¿, isto mesmo, ¿título precário¿! Era assim mesmo.
Mas ¿precária¿ era a apenas a denominação dada à forma da minha vinculação... Não havia a investidura em ¿cargo público¿, pois era uma daquelas figuras contratadas em situação ¿emergencial¿. Seria logo dispensado.
Ocorre que, superado o momento emergencial, o servidor passa a se tornar uma peça necessária e indispensável. Uma mão de obra necessária, no entanto sem vínculo empregatício e nenhum amparo social.
Foi então que o Governo resolveu impor uma regra para os ingressantes em caráter temporário. Assim sobreveio o advento da Lei 500, de 25 de novembro de 1974.
A Lei 500/74 trouxe todo regramento para a contratação de servidores em caráter temporário e, estabeleceu que, a cada dois anos, a administração faria um levantamento da sua necessidade, do contingente existente, e da necessidade da criação dos cargos correspondentes, sendo certo que com a criação dos cargos, promover-se-ia os concursos públicos para respectivo provimento, e os contratados em caráter temporário seriam demitidos ou desligados da administração pública.
A lei previa além desta regulamentação, férias, licença para tratamento de saúde, aposentadoria compulsória (70 anos).
Outros benefícios previstos para os servidores titulares de cargo efetivo não abarcavam esta categoria. Na verdade poderíamos dizer ¿raciocínio lógico¿. Para quê prever adicional por tempo de serviço e ou licença prêmio, ambos concedidos a cada cinco anos, se o ¿candanguinho¿ permaneceria no máximo dois anos no quadro. A sexta parte, à época era concedida após 25 (vinte cinco) anos de efetivo exercício.
Foi neste momento que ¿aquele¿ contingente admitido a ¿titulo precário¿ tutelado pela nova lei, passou a fazer parte da categoria de ¿caráter temporário¿.
O tempo foi passando, e aquele dispositivo que determinava a criação de cargos ficou inviabilizado pela indisponibilidade de recursos e outros tantos entraves que dificultam o ajuste da gestão.
Em 12 de maio de 1978 veio a Lei Complementar nº 180 que, entre outros aspectos, revogou o dispositivo da Lei 500/74 que dispunha sobre a temporalidade (2 anos), bem como estendendo a essa categoria o direito ao adicional por tempo de serviço, a aposentadoria por tempo de serviço, e foi só.
Daí por que durante anos tivemos que lidar com essas diferenças.
Promovia-se um concurso público para uma classe funcional. Ofertávamos um número ¿x¿ de cargos, e um número ¿y¿ de função-atividade (Lei 500). Os primeiros classificados eram investidos em cargos, sendo que alguns seriam investidos em ¿função-atividade¿.
Para o profissional é difícil entender a diferença. Com a mesma formação, habilitados no mesmo concurso, exercendo as mesmas atividades nas mesmas condições. Onde está a diferença?
Acho que já deu para entendermos, não é? Conflitos, conflitos, conflitos....
É certo que alguma coisa precisava ser ajustada neste processo. Admitíamos em caráter temporário, mas o vínculo se perpetuava.
Mais isso não para por aí. O Sistema Único de Saúde ¿ SUS iniciou alguns anos antes da edição da Constituição Federal de 1988. A princípio, com as denominadas Ações Integradas de Saúde ¿ o Convênio AIS, passando para Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde ¿ Convênio SUDS e, por fim, o Sistema Único de Saúde ¿ Convênio SUS.
Esse início demandou a necessidade de reforço no quadro funcional da SES, e, na oportunidade, visando sua implantação no Estado, o Governo autorizou a Secretaria, por meio de recursos oriundos do Fundo Estadual de Saúde-FUNDES, promover ações para o fortalecimento da sua força de trabalho.
Assim passamos a contar com mais um regime jurídico incrementando ainda mais os conflitos já existentes, já que tais contratações eram feitas sob a égide da Consolidação das Leis do Trabalho ¿ CLT.
A carência de pessoal era muito grande, principalmente no que se referia à área de informática, vez que além de ser uma classe não integrante do quadro do Estado, poucos servidores tinham acesso a computador, e a implantação do SUS, carecia de sistemas específicos, daí porque a necessidade da contratação dos digitadores, programadores e analistas. Também a inserção dos celetistas no nosso quadro trouxe a necessidade de criar uma área para gerir o pagamento destes profissionais, já que este regime jurídico não era utilizado pelo Estado e o recurso era do ¿Fundes¿ e não ¿Tesouro¿. Assim surgiu a Folha ¿Marcondes¿ ¿ ¿Wilson¿ ¿ ¿Luiz Ventura¿ ¿ ¿Maia¿ ¿ e por fim ¿Luiz Basalia¿, hoje contando apenas com remanescentes da área de informática. Nesta época também tivemos uma equipe de técnicos que subsidiavam as unidades no que se referiam as contratações eram os DDD¿s ¿ Delson, Dalício e Delavan.
No âmbito da Administração Superior e Sede, tínhamos uma área que gerenciava o processo de contratação, formalização e controle da vida funcional destes servidores, era a Seção de Pessoal CLT.
Assim, titulares de cargo efetivo, ocupantes de função atividade (Lei 500/74), remanescentes ¿extranumerários¿, celetistas e os temporários admitidos nos termos da LC nº 733/93. Realmente, não era mole não.
A Lei Complementar nº 1093, de 2009 trouxe novo regramento para a contratação de servidores em caráter temporário, ficou vedada a admissão de servidores nos termos da 500/74.
O ¿extranumerário¿ consisti num pequeno contingente, remanescente, como já disse de uma categoria que deixou de ser contratada nos anos 60. Questão resolvida, já que na Constituição de 1967, e depois a de 1988 trouxeram considerações que os equiparava ao titular de cargo efetivo em relação aos direitos e benefícios.
Essa gama de regimes jurídicos rendeu exercícios muito interessantes para o gestor, já que as dúvidas e o desconforto se avolumavam sobremaneira.
Nada fácil gerenciar iguais tão diferentes.
Eis que em 1992, o Governo decidiu não mais contratar servidores sob o regime da Consolidação das Leis do Trabalho.
Essa mescla rendeu ao Estado várias ações judiciais no que se refere a direitos, tais como sexta-parte, licença-prêmio e no dia 23 de novembro de 2011 o Governador, entendendo ser necessário promover mudanças e adotar medida equânime, editou Despacho Normativo estendendo os benefícios citados a todos os servidores admitidos nos termos da Lei 500/74.
Percebem como administrar/gerenciar não é uma tarefa simples. Este texto traz um pouquinho da nossa história, das mudanças que com certeza não foram fáceis para nossos gerentes e que para nós proporcionou debates, divergências nos entendimentos, aprendizado, necessidade de consenso, afinal precisávamos respaldar nossos subsetoriais.
Nivaldo Damaceno Teixeira
Maria Sonia da Silva