sobre poliomielite


poliomielite
CID10: A80

Descrição

A poliomielite ou “paralisia infantil” é uma doença infecto-contagiosa aguda, causada por um vírus, de gravidade extremamente variável e, que pode ocorrer sob a forma de infecção inaparente ou apresentar manifestações clínicas, frequentemente caracterizadas por febre, mal-estar, cefaleia, distúrbios gastrointestinais e rigidez de nuca, acompanhadas ou não de paralisias.

Desde 1990 não há registro de casos de poliomielite no país, fato que levou o Brasil a obter da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) o certificado de erradicação do poliovírus selvagem autóctone do seu território em 1994, juntamente com os demais países das Américas. No entanto, como ainda há circulação de poliovírus selvagem em alguns poucos países do mundo, o risco de importação de casos permanece.

Agente etiológico

É o poliovírus pertencente ao gênero Enterovírus, da família Picornaviridae, composto de três sorotipos: I, II e III. É um vírus composto de cadeia simples de RNA, sem envoltório, esférico, de 24-30 nm de diâmetro. Ao gênero Enterovírus pertencem os grupos: Coxsakie (A com 24 sorotipos e B com 6 sorotipos), Echo (34 sorotipos) e Poliovírus (3 sorotipos).

Os três sorotipos do poliovírus provocam paralisia, sendo que o tipo I é o isolado com maior frequência nos casos com paralisia, seguido do tipo III. O sorotipo II apresenta maior imunogenicidade, seguido pelos sorotipos I e III. A imunidade é específica para cada sorotipo.

Possui alta infectividade, ou seja, a capacidade de se alojar e multiplicar no hospedeiro é de 100%; possui baixa patogenicidade 0,1 a 2,0% dos infectados desenvolvem a forma paralítica (1:50 a 1:1000), ou seja, tem baixa capacidade de induzir doença.

A patogenicidade varia de acordo com: 1) o tipo de poliovírus (o tipo I é o mais patogênico, tipo II é o menos); 2) com as propriedades intrínsecas das diferentes cepas; 3) com os fatores inerentes ao hospedeiro (mais alta em adolescentes e adultos).

A virulência do poliovírus depende da cepa e se correlaciona com o grau de duração da viremia. A letalidade da poliomielite varia entre 2 e 10%, mas pode ser bem mais elevada dependendo da forma clínica da doença. A poliomielite bulbar apresenta uma letalidade entre 20 e 60%, e a poliomielite espinhal com acometimento respiratório, entre 20 e 40%. Em imunodeficientes chega a 40%, com alta taxa de sequela.

A resistência ao meio ambiente e a desinfetantes: O vírus resiste a variações de pH (3,8 a 8,5) e ao éter. É inativado pela fervura, pelos raios ultravioleta, pelo cloro (0,3 a 0,5 ppm) e na ausência de matéria orgânica. Conserva-se durante anos a – 70oC e durante semanas, na geladeira, a 4oC, principalmente em glicerina a 50%.

Reservatório

O homem.

Modo de transmissão

Pode ser direta de pessoa a pessoa, pela via oral-oral, através de gotículas de secreções da orofaringe de pessoas infectadas (ao falar, tossir ou espirrar), 1 a 2 semanas após a infecção; ou de forma indireta, pela via fecal-oral (a principal), através de objetos, alimentos, água etc., contaminados com fezes de doentes ou portadores, 1 a 6 semanas após a infecção.

Período de incubação

É, geralmente, de 7 a 12 dias, podendo variar de 2 a 30 dias.

Período de transmissão

O poliovírus pode ser encontrado nas secreções faríngeas e nas fezes, respectivamente 36 e 72 horas após a infecção, tanto nos casos clínicos quanto nas formas assintomáticas. O vírus persiste na garganta durante 1 semana aproximadamente e, nas fezes, por 3 a 6 semanas, enquanto nos indivíduos reinfectados a eliminação do vírus se faz por períodos mais reduzidos.

Suscetibilidade e resistência

Todas as pessoas não imunizadas são suscetíveis à infecção, mas somente cerca de 1% dos infectados desenvolve a forma paralítica. Ressalta-se que os adultos, quando não imunes, ao sofrerem infecção pelo poliovírus, têm maior probabilidade de desenvolver quadros paralíticos do que as crianças. Crianças nascidas de mães imunes podem estar transitoriamente protegidas durante as primeiras semanas de vida pelos anticorpos séricos maternos da classe IgG, transferidos da mãe para o feto pela via placentária. A infecção natural pelo poliovírus selvagem produz imunidade duradoura, tipo-específica, ou seja, de acordo com o poliovírus responsável pelo estímulo antigênico. A vacinação completa produz imunidade duradoura na grande maioria dos indivíduos. Embora não desenvolvendo a doença, as pessoas imunes podem reinfectar-se e eliminar o poliovírus, ainda que em menor quantidade e por um período menor de tempo. Essa reinfecção é mais comum pelos tipos 1 e 3.

Manifestações clínicas

A infecção pelo poliovírus selvagem pode apresentar-se sob diferentes formas clínicas:

• Inaparente ou assintomática – não apresenta manifestação clínica, podendo ser demonstrada apenas por exames laboratoriais específicos. Ela ocorre entre 90 a 95% das infecções;

• Abortiva – ocorre em cerca de 5% dos casos. Caracteriza-se por sintomas inespecíficos, tais
como febre, cefaleia, tosse e coriza, e manifestações gastrointestinais, como vômito, dor abdominal e diarreia. Como na forma inaparente, só é possível estabelecer diagnóstico por meio do isolamento do vírus;

• Meningite asséptica – ocorre em cerca de 1% das infecções. O início apresenta-se com as mesmas características da forma abortiva, com sintomatologia inespecífica. Posteriormente, surgem sinais de irritação meníngea (Kernig e Brudzinski positivos) e rigidez de nuca;

• Forma paralítica – pouco frequente, em torno de 1 a 1,6% dos casos. É caracterizada por déficit motor de início súbito. A evolução dessa manifestação, frequentemente, não ultrapassa três dias. Acomete desde alguns até vários grupos de músculos, com predileção pelos membros inferiores, de forma assimétrica, tendo como principal característica a flacidez muscular, com sensibilidade conservada e reflexos tendinosos que podem estar inicialmente hiperativos e, em seguida, rapidamente diminuídos ou abolidos no segmento atingido. Em alguns casos ocorrem quadros de paralisia grave que podem levar à morte. A paralisia sempre persiste de forma residual (sequela), após 60 dias do início da doença. Apenas a forma paralítica possui característica clínica típica que permite sugerir o diagnóstico de poliomielite.

Além da paralisia residual, outros efeitos tardios da poliomielite podem ocorrer em pacientes que tiveram a forma paralítica da doença. Estes estão divididos em três tipos de categorias:

a) sintomas que podem ser atribuídos diretamente ao dano causado pelos poliovírus tais como: a própria paralisia residual, desequilíbrio musculoesquelético, retardo no crescimento, deformidades esqueléticas que afetam os membros, insuficiência respiratória e intolerância ao frio devido a transtornos circulatórios;

b) sintomas decorrentes da falência do organismo em manter-se estável no período de estabilidade funcional com aparecimento de nova fraqueza e fadiga – a Síndrome Pós-Poliomielite;

c) sintomas resultantes de trauma secundário incluindo neuropatia compressiva, artrites degenerativas, dores articulares, tendinite e bursite.

A Síndrome Pós-Poliomielite é um transtorno neurológico que aparece muitos anos após a doença aguda, usualmente 15 anos ou mais. Caracterizado principalmente por nova fraqueza muscular, fadiga e dor muscular e articular. Menos comumente, a síndrome inclui dificuldades respiratórias e de deglutição, atrofias musculares e intolerância ao frio entre outros sintomas.

Diagnóstico diferencial

As principais doenças a serem consideradas no diagnóstico diferencial são (Quadro 1): Síndrome de Guillain-Barré, mielite transversa, mielite viral, neuropatias, meningite viral, meningoencefalite, acidente vascular cerebral e enteroviroses (Enterovirus 71 e coxsackievirus, especialmente do grupo A tipo 7).

Quadro 1. Sinais, Sintomas e Exames para o Diagnóstico Diferencial entre Poliomielite, Síndrome de Guillain-Barré e Mielite Transversa

(QUADRO)
Diagnóstico laboratorial

O isolamento e identificação do vírus são realizados a partir de uma amostra de fezes do caso ou de seus contatos. Destaca-se que o isolamento de poliovírus selvagem nessas amostras permite a confirmação diagnóstica. O isolamento do vírus também pode ser feito do sangue, orofaringe e líquor, embora a possibilidade de isolamento seja menor, devido à circulação do vírus ser transitória.

O diagnóstico sorológico pode ser feito coletando-se duas amostras de sangue, uma na fase aguda e outra na de convalescência; a elevação de 4 vezes ou mais do título de anticorpos neutralizantes ou fixadores de complemento demonstra a soroconversão. A sorologia deixou de ser utilizada como apoio para o diagnóstico de poliomielite, a partir de maio de 1990, devido à grande quantidade de vacina oral contra a poliomielite (VOP) administrada no país, que resultou em elevados títulos de anticorpos para os três tipos de poliovírus na população, dificultando a interpretação dos resultados.

A análise citológica do líquor também contribui para o diagnóstico diferencial com a síndrome de Guillain-Barré e com as meningites que evoluem com deficiência motora. No entanto, pode ser normal no início da doença.

O anatomopatológico em material de necropsia pode permitir a identificação de alterações anatomopatológicas sugestivas de Poliomielite.

Os achados da Eletromiografia na poliomielite são comuns a um determinado grupo de doenças que afetam o neurônio motor inferior. Este exame pode contribuir para descartar a hipótese diagnóstica de poliomielite, quando seus achados são analisados conjuntamente com os resultados do isolamento viral e da evolução clínica.

Tratamento

Não há tratamento específico, mas as medidas terapêuticas são importantes para redução das complicações e mortalidade. Cuidados gerais como repouso rigoroso nos primeiros dias, reduz a taxa de paralisias. Mudança de decúbito, tratamento sintomático da dor, da febre, da hipertensão arterial e de retenção urinária, uso de laxantes suaves e cuidados respiratórios são importantes para se evitar complicações. Cuidados ortopédicos e fisioterápicos devem ser instituídos oportunamente para evitar deformidades. A fisioterapia deve ser iniciada quando a dor ceder.

Ações de Vigilância Epidemiológica

A Poliomielite, apesar de erradicada no Brasil, permanece como uma doença atual, de alta importância em Saúde Pública, seja pela sua ocorrência endêmica ou epidêmica em vários países da África, Ásia e Oriente Médio, seja pela existência da Síndrome Pós-Poliomielite que acomete seus sobreviventes.

Fatores como a intensa mobilização e migração de pessoas desses continentes para o Brasil e América Latina, impõem a necessidade de uma vigilância eficaz, permanente e com um alto grau de sensibilidade e especificidade, para impedir sua reintrodução e manter a erradicação, o que requer atenção constante dos profissionais médicos e de vigilância para a identificação precoce de casos.

Situação Epidemiológica

Até a primeira metade da década de 80, a poliomielite foi de alta incidência no Brasil, contribuindo, de forma significativa, para a elevada prevalência anual de sequelas físicas, observada naquele período. No Brasil, no ano de 1980, foi adotada como medida de controle da poliomielite, a ampliação das coberturas vacinais por meio de campanhas de vacinação em massa, em todo o território nacional, utilizando-se a vacina oral Sabin, em duas etapas anuais, de um só dia cada, na faixa etária de 0-5 anos. A diminuição de casos foi assim observada: para o Brasil de 1280 casos em 1980, para 122 em 1981; no Estado de São Paulo, de 101 casos em 1980, para 7 em 1981.

No Brasil o registro do último caso confirmado foi em 1989 em Souza, na Paraíba; no Estado de São Paulo, o último caso registrado foi em 1988, no município de Teodoro Sampaio. O Peru, em 1991, foi a última nação americana que registrou casos da doença. Em 1994, a Organização Pan-americana de Saúde/OMS certificou a erradicação da transmissão autóctone do poliovírus selvagem nas Américas, após 3 anos sem circulação desse vírus no Continente. Desde então, todos os países da região assumiram o compromisso de manter altas e homogêneas as coberturas vacinais, bem como uma vigilância epidemiológica ativa e sensível para identificar, imediatamente, a reintrodução do poliovírus selvagem em cada território nacional e adotar medidas de controle capazes de impedir a sua disseminação.

No período de 2007 a 2012, 35 países registraram casos de poliomielite, sendo que três desses ainda são considerados endêmicos: Afeganistão, Nigéria e Paquistão.

Dois restabeleceram a transmissão (transmissão sustentada há mais de um ano): Chade e República Democrática do Congo. Vários outros países registraram surtos de poliovírus selvagem devido a casos importados: Cazaquistão, Libéria, Mali, Mauritânia, Nepal, Nigéria, Federação Russa, Senegal, Serra Leoa, Tajiquistão, Turcomenistão, Uganda, Gabão, Burquina Faso, Costa do Marfim, Congo, China e outros.

Em 2011 foram registrados 650 casos, sendo 341 (52,5%) nos países endêmicos e 309 (47,5%) nos países não endêmicos. Em 2012 (dados publicados até 7 de agosto/2012) foram notificados 111 casos de paralisia infantil.