Situação Atual
Vigilância entomológica dos vetores
-O Programa de Controle da Doença de Chagas, desenvolvido no Estado de São Paulo, encontra-se hoje numa fase avançada apresentando resultados que confirmam a não ocorrência de transmissão da doença por triatomíneos domiciliados. Contribuem para esta afirmação o fato:
- da não coleta de exemplares de triatomíneos da espécie Triatoma infestans;
- a coleta expressiva de exemplares de Triatoma sordida com baixa taxa de infecção natural;
- a ocorrência restrita de Panstrongylus megistus, espécie com maior capacidade de domiciliação no Estado e com elevados índices de infecção natural;
- baixo percentual de sangue humano utilizado como fonte alimentar por triatomíneos no Estado;
- a ausência de população jovem, abaixo de 40 anos, com resultado sorológico positivo para Trypanosoma cruzi.
O trabalho intenso e contínuo de intervenção por parte da Superintendência de Controle de Endemias, no controle aos triatomíneos domiciliados através da utilização de inseticidas conduziu a interrupção da transmissão vetorial da doença de Chagas, no início da década de 1970. No ano de 2004, após constituição de uma comissão que propôs mudanças nas diretrizes técnicas do Programa, a atividade de vigilância preconizada previu a notificação de insetos suspeitos de serem triatomíneos pela população, como medida adotada. Neste ano, as ações educativas foram transferidas aos municípios dentro da perspectiva da descentralização das ações de controle.
Os critérios de vigilância introduzidos no Estado de São Paulo preconizam pesquisa de triatomíneos no domicílio onde originou a notificação. O atendimento a qualquer notificação de triatomíneo ocorre em um prazo máximo de 60 dias, objetivando o incentivo à participação da população no Programa, numa atividade denominada atendimento a notificação. A participação da população tem-se mostrado de grande eficácia na descoberta de colônias de triatomíneos permitindo assegurar que a área está sob vigilância. As notificações constituem seleção previa de casas a serem pesquisadas e com maior chance de serem encontradas infestadas. Nas unidades domiciliares onde se dá o encontro do triatomíneo é realizado controle químico.
As informações para esta avaliação correspondem ao período de janeiro de 2014 a dezembro de 2015, geradas através das ações de pesquisa entomológica pelas equipes de campo e laboratório e constituem a base de dados informatizada do programa. Os resultados foram consolidados a partir dos relatórios disponíveis no sistema de informação.
Foram encaminhadas a SUCEN 2832 notificações de insetos, das quais 63,5% referentes a triatomíneos.
No período em questão foram pesquisados 1800 imóveis (Tabela 1). As notificações recebidas concentraram-se, principalmente, nos Serviços Regionais de São José do Rio Preto e Araçatuba, áreas de maior frequência de encontro da espécie Triatoma sordida. Pode-se apreender que 94,6% das notificações de triatomíneos recebidas foram atendidas observando-se o percentual mais baixo de atendimento no Serviço Regional de Marília.
Tabela 1: Notificações de triatomíneos recebidas e atendidas no Programa de Controle da Doença de Chagas segundo Serviço Regional. Estado de São Paulo, janeiro de 2014 a dezembro de 2015.
Serviço Regional |
Recebidas |
Atendidas |
||
Nº |
% |
Nº |
% |
|
São Vicente |
30 |
1,7 |
30 |
100,0 |
Taubaté |
11 |
0,6 |
11 |
100,0 |
Sorocaba |
212 |
11,8 |
210 |
99,0 |
Campinas |
90 |
5,0 |
78 |
86,7 |
Ribeirão Preto |
98 |
5,4 |
87 |
88,7 |
São José do Rio Preto |
548 |
30,5 |
489 |
89,2 |
Araçatuba |
608 |
33,8 |
608 |
100,0 |
Presidente Prudente |
131 |
7,2 |
130 |
99,2 |
Marília |
72 |
4,0 |
60 |
83,3 |
Total |
1800 |
100,0 |
1703 |
94,6 |
As notificações foram provenientes de 351 municípios, correspondendo a 54,4% dos existentes no Estado. O mapeamento dos municípios com notificações de triatomíneos esta assinalada na Figura 1, apontando ampla distribuição pelo Estado.
Figura 1: Municípios com notificação de triatomíneos segundo gradiente e outros insetos.Programa de controle da doença de Chagas, Estado de São Paulo 2014-2015.
As pesquisas realizadas no atendimento as 1703 notificações de triatomíneos resultaram positivas em 28,1% das unidades domiciliares pesquisadas resultando no controle químico de 480 unidades domiciliares. Foram coletados no período 6800 exemplares de triatomíneos (Tabela 2).
Tabela 2: Exemplares de triatomíneos coletados, examinados e positivos segundo espécie. Estado de São Paulo, janeiro de 2014 a dezembro de 2015.
Espécie |
Coletados |
Examinado |
Positivo |
%Positivo |
Triatoma sordida |
6005 |
5424 |
20 |
0,4 |
Panstrongylus megistus |
388 |
354 |
09 |
2,5 |
Rhodnius neglectus |
343 |
276 |
00 |
0,0 |
Triatoma tibiamaculata |
48 |
45 |
05 |
11,1 |
Outras |
16 |
14 |
01 |
7,1 |
Total |
6800 |
6113 |
35 |
0,5 |
Os triatomíneos com maior presença no Estado de São Paulo são, atualmente, Triatoma sordida, concentrado na região noroeste e Panstrongylus megistus, presente principalmente na região de Sorocaba e municípios que fazem divisa com o Estado de Minas Gerais (Figura 2). As informações sobre as espécies de triatomíneos coletadas demonstram que T. sordida representou 88,3% dos exemplares, presentes em sua maioria no peridomicílio, refletindo seu conhecido comportamento. Esta espécie encontra-se bem distribuída resultado de sua valência ecológica.
Triatoma sordida (A)
Panstrongylus megistus (B)
|
A segunda espécie mais presente tem sido Panstrongylus megistus, considerado um vetor secundário, sendo encontrado nas casas e nos anexos, responsável por 5,7% dos triatomíneos coletados. Seu alto índice de infecção natural está relacionado aos didelfídeos que funcionam como reservatórios do Trypanosoma. cruzi. Rhodnius neglectus foi a terceira espécie em número de exemplares coletados e se distribui pelo planalto paulista. Às vezes coloniza o interior das moradias, mas seu habitat preferencial tem sido as palmeiras. Atualmente esta espécie esta relacionada à invasão urbana nos municípios de Araçatuba e Birigui.
Triatoma tibiamaculata disperso na região do Vale do Ribeira, em fragmentos de Mata Atlântica, seu ecótopo natural, representou o menor número de exemplares coletados dentre aqueles de maior expressão, porém com os mais elevados índices de infecção natural, resultado de sua associação com animais mamíferos silvestres presentes neste ambiente.
Dos triatomíneos coletados no período foi encontrada infecção natural em 0,5%. A região com presença de P. megistus é aquela com os maiores índices de infecção natural seguida da região do Vale do Ribeira onde a espécie responsável por este índice é Triatoma tibiamaculata. As espécies silvestres têm mostrado resposta pouco satisfatória aos métodos de controle empregados, diferentemente daquilo que se observou para o Triatoma infestans no passado.
Foram capturados triatomíneos no intradomicílio em 1442 unidades domiciliares, sendo ninfas, dos diferentes estadios, em 163 destes imóveis, representando uma taxa de colonização do intradomicílio de 11,3%.
A distribuição atual das espécies de triatomíneos espelha o que tem sido observado para o País no tocante a densidade e seu comportamento peridomiciliar, ressaltando que este ambiente tem sido importante na manutenção das espécies. O peridomicílio funciona como uma barreira impedindo a invasão do intradomicílio. Neste ambiente se encontra grande desarranjo de construções, a maioria precária e abrigam animais que servem como fonte alimentar para os insetos.
Novas situações
A sustentabilidade dos níveis de controle alcançados pressupõe que sejam mantidas ações de vigilância evitando que possam se repor condições de transmissão no ambiente domiciliar, seja pelo fato do repovoamento da habitação por triatomíneos, pela baixa sensibilidade dos instrumentos de pesquisa entomológica, ou ainda, pela reinfestação a partir de focos silvestres de áreas onde persistem vetores domiciliados.
Vale relatar a ocorrência de R. neglectus em área urbana de municípios pertencentes ao Serviço Regional da SUCEN de Araçatuba, iniciado no final do ano de 2004 e em pleno curso nos dias atuais. Até o momento não foram encontrados exemplares infectados por T. cruzi. As palmeiras tem sido incriminadas como habitat desses vetores na área urbana e tem sido submetidas a controle mecânico e químico. Um trabalho contínuo tem sido realizado na região com grande ênfase em medidas de controle individual e estímulo as notificações, em conjunto com as Escolas, Centros de Saúde, Associação de Moradores, Associação de Condomínios entre outros.
As informações apresentadas contribuem para concluir que esta endemia está bem controlada, mas é dever alertar que o assunto não está encerrado. Dificilmente o T. infestans retornará, mas persistem na natureza triatomíneos secundários que poderão ocupar o nicho da espécie eliminada. Devemos estar preparados para enfrentar situações raras, assim como casos agudos esporádicos, a possível adaptação de triatomíneos a novos ecótopos e monitorar a resistência de triatomíneos aos inseticidas empregados em seu controle. Pesquisas devem prosseguir buscando maior envolvimento da população na vigilância dos triatomíneos e melhor controle do peridomicílio, através de estratégias de integração com programas de agentes comunitários e de saúde da família, visando o estímulo à notificação e orientação para manejo de ambiente.
Diretoria de Combate a Vetores
Fevereiro de 2016